Sinto-me Anjo

Em tortuosa espiral me envolve o corpo a leve brisa de verão que se perdeu entre o calor desalentador que brinda o fim de tarde alaranjada. A linha que contorna os engenhos de concreto é tão precisa quanto a mão do Artista que a traçou. Não vejo silhuetas de árvores e montanhas como desejaria o mais tolo dos artistas.
Vejo os prédios que cirandam em torno do meu edifício. Com o peito nu, fito meus olhos na profundeza da perspectiva como que se meus olhos fossem lentes fotográficas. São sete andares abaixo da planta de meus pés, e nesta varanda cúbica, tão imponente me sinto, afagado pelos ventos comprometidos pelo calor.
Por este prisma de eloquentes pensamentos, sou tão a parte, tão distante...
Vejo como um filme as manifestações da vida que se desencadeiam ao meu redor. Atravessam minhas retinas as imagens,  descansam em torno de meus ouvidos cada som. Sinto-me anjo..como se não pertencesse ao quadro. Espectador do movimento e do som, da luz e da sombra. As vozes dos homens tão distantes se embaraçam com as pinceladas sujas de som que o trânsito confuso regorgita sobre a paisagem.
Palavras são apenas sons e as luzes sinais de vida, como o sangue que escarlate em sua essência, corre escondido e sem cor para quem vê por sobre as veias, e sobre as veias a carne, e sobre a carne a pele, e sobre a pele, pêlos.
De repente parece tudo tão exposto, tão sem segredo e simples. Sinto-me anjo acima de tudo.
Seria apenas um tempo para descansar os dedos, voltaria  em minutos a tatear do violão o náilon, da minha alma o som. Seria apenas isso, até me deixar encantar pela sincronia comum, mas cativante da vida que dançava diante de mim enquanto me acariciava com seu bafo seco de verão.
Súbito, ao erguer meus olhos percebo uma ponta iluminada, quase que vermelha se mover pra longe de uma baforada de fumaça a se desvanecer em volta do contorno robusto de um outro alguem que também observa de sua varanda, do prédio em frente ao meu. Com certeza, ele tinha mais que sete andares abaixo da planta de seus pés, e percebi, que para ele eu era apenas mais uma parte a compor a paisagem que eu mesmo observara.
Ele sorri e me acena, como que se soubesse que eu me sentira anjo, e dessa forma nos fazia iguais. Já não me sinto mais anjo, aquele homem em sua varanda mudou minha perspectiva. Senti por um segundo certa frustração, pra que eu fui olhar para cima...se eu podia ser anjo enquanto olhasse para baixo?
Podemos nos sentir diferentes de acordo com o que nos rodeia, mas claro, o que nos rodeia e podemos ver. Não somos diferentes de ninguém, e as vezes mentimos pra nós mesmo. Acredito que é mais honesto olhar para cima de vez em quando. Sempre haverá alguem um andar acima.
Posted on 18:13 by Os Pirata!!! and filed under | 2 Comments »

2 comentários:

JLeandro oCientista disse... @ 20 de dezembro de 2009 às 15:19

É curioso isto: sempre tem alguém por cima e sempre tem alguém por baixo, mas por fim, ninguém é absolutamente superior, nem inferior.

Renata Fagundes disse... @ 8 de janeiro de 2010 às 15:04

Espectador e personagem da mesma paisagem.
O observado observando..interessante.

Passando pra agradecer o carinho ao cítrico , sei que está na torcida por tudo que há de vir, sempre esteve.

Quero fazer uma pequena correção..

Não fui eu que coloquei a mão na massa....foi a massa que colocou a mão em mim...kkkkk

Beijo grande moço

Postar um comentário